A identificação cultural das comunidades quilombolas

 *Por João Gualberto S. Barreto

INTRODUÇÃO

Não podemos jamais pensar em comunidades quilombolas, sem que um breve bosquejo histórico seja feito, mesmo que de forma sucinta, para podermos entender as raízes de tais comunidades, e o porquê de tanta coisa estranha ao nosso conhecimento ser vista no meio do povo que com o passar dos dias recebeu o epiteto nominal QUILOMBOLA. Tudo começa, a partir da colonização Europeia na terra na terra então conhecida pelos tupis como PINDORAMA, onde a extração da madeira do pau Brasil (cor de brasa) a princípio feita por indígenas, que com o passar dos dias já não se submetiam ao trabalho escravo. A partir do momento que a terra foi descoberta como boa para o plantio de cana de açúcar, desse ponto em diante começa a tétrica histórica do tráfico de negros de diversas partes do continente africano para este continente latino americano, para lavrarem a terra para o cultivo de cana de açúcar. Então a Europa Portuguesa, passava também a auferir lucros com a madeira do pau brasil, usada para fazer corante, como com o produto da cana, isso tudo com mão de obra escrava dos negros. Além da escravidão enfrentavam o gritante ETNOCENTRISMO (Autovalorização do grupo dominante) acompanhado de um agudo EUROCENTRISMO, que levou muitos negros ao suicídio, transformou outros em assassinos, outros, ainda fugiram e refugiaram-se nos centros da mata, formando os QUILOMBOS, ou MOCAMBOS, daí surge o nome de MOCAMBEIROS (Bandidos) para os negros fugitivos.

PALAVRA DO AUTOR DA APOSTILA

O sucinto comentário de nossa introdução, nem de longe pode comentar com maiores riquezas a trajetória de nossos ancestrais na terra hoje tão abençoada da qual sinto-me honrado em ser filho. Meu povo sofreu muitos detrimentos quando foram caçados com cachorros por seus senhores, aqueles que eram capturados nas árvores ou mesmo em buracos, eram levados para a senzala, e espancados na presença dos demais para servir de exemplo. Hoje somos conhecidos como afros-descendentes ou Afro-Brasileiros, apesar de muitas ações discriminatórias ainda existiram tentando denegrir as pessoas de cor da pele negra, nenhum de nós devemos nos envergonhar de sermos negros, antes devemos ter em mente que nossos ancestrais foram os responsáveis direitos pelo desenvolvimento deste torrão natal, no Brasil colônia e como descendentes deles nossa contribuição não deixa de ser relevante.

AS COMUNIDADES QUILOMBOLAS

Como já mencionamos, muitos negros eram afligidos por seus senhores, debaixo da vara da escravidão eram xingados e achincalhados, até onde o português não era entendido, eles não tinham noção de certas palavras que lhes eram dirigidas, com uma melhor consciência da língua portuguesa, muitos se revoltavam, brigavam, espancavam seus verdugos e fugiam para o centro da mata, onde outros já estavam morando, e vários senhores não iam atrás, a não ser com uma escolta armada, pois sabiam que os negros eram valentes. Os senhores sabiam da existência de muitas comunidades que recebiam o nome de QUILOMBO ou MOCAMBO, para lá se refugiavam negros de diversas etnias, e com isso existia uma diversificação no que diz respeito ao modus vivendis dessas comunidades.

AS COMUNIDADES QUILOMBOLAS DOS DIAS HODIERNOS

Como falamos, anteriormente, no início da história das comunidades quilombolas, houve um enorme fluxo de pessoas oriundas de várias etnias africanas que por um interesse comum, que era a liberdade se uniram e formaram um tipo de povoado, com várias pessoas cada qual com um aspecto social diferente, pois existiam também entre eles, negros que já estavam totalmente aculturados com os costumes europeus. Com o passar dos tempos os filhos desse povo foi se formando numa só comunidade, e adotando práticas, Afros que iam sendo adaptadas a vida cotidiana social, bem como as práticas religiosas, que foram se fundindo, o grupo de maior número de descendentes Africanos foram dominando, as manifestações culturais.

O PERFIL DE UMA COMUNIDADE QUILOMBOLA

E claro, que falar do perfil de uma comunidade quilombola, não é muito fácil, a não ser que venhamos nos concentrar numa única, pois com o passar dos tempos os remanescentes de escravos, foram recebendo pessoas não descendentes de Afros, como por exemplo, muitos caboclos (descendentes ou mestiços de brancos com indígena), também conhecidos como MAMELUCOS. Esse povo tinha costume diferente, e com isso hoje em muitos lugares as manifestações culturais e o modus vivendis de certas comunidades divergem muito umas das outras. Muitos mulatos (filhos de pai branco com mãe negra) estes foram gerando outra classe que são os Cafuzos, todos eles reivindicam hoje a cidadania Afro-Brasileira, no entanto, interferiram nos costumes, ou seja, no perfil das comunidades.

MANIFESTAÇÃO CULTURAL

Nas comunidades quilombolas, trata-se de entre outras coisas manifestação artística ou folclórica nas quais os Afro-Brasileiros foram iniciados pelos seus antigos, e conservados pelos atuais como forma de manter a cultura viva que são conjuntos de conhecimentos adquiridos dos mais velhos. Podendo claramente ser dividida em (3) partes básicas:

1º) – A FOLCLÓRICA. Onde um ajuntamento de pessoas manifestam a cultura (Conjunto de conhecimentos através de Danças. Simples batuques de tambores). Atos de religiosidade, seja para agradecimento a divindade, ou mesmo petição para ela. Festas de casamento, aniversário, com uso de bebidas típicas como é o caso da Gengibirra (produzida através do gengibre), licores de jenipapo. Leite de onça. Caimbé e outras. Hoje em muitas comunidades quilombolas o folclore, incorpora Boi-Bumbá, São João na roça com todas as manifestações típicas, como danças, fogueira. Batizado a fogueira, casamento na roça. As pessoas se dão para compadres, etc. Bem como outras herdadas da colônia, como a festa de cordão de pastorinhas… e a própria religião católica que gerou muitas manifestações folclóricas entre eles.

2º) – A ARTÍSTICA. Aqui uma série de artesanatos, em barro, para uso doméstico ou de exposição artística são produzidos, muita coisa a partir de fibras naturais ou madeira, como no caso de canoas, remos, varas auxiliares nas canoas. Utensílios de cujuba ou cabaça. Arcos, flechas, adornos masculinos e femininos produzidos através de fibras (Embiras) ou penas de aves. Colares, pulseiras, pinturas corporais a partir do urucum ou de argila (Tauá) produções em talas de buriti ou guarimã. Produção de calçado a partir de pneus de carro (alpercatas).

3º) – A MANIFESTAÇÃO RELIGIOSA. Aqui, espíritos são invocados através do pajé, as benzedeiras atuam benzendo as pessoas, as crianças são benzidas para retirada de quebrantos, os mais velhos são benzidos para retirada de mal olhado. Os cidadãos de bem recebem rezas para serem felizes. Os pajés fazem rituais para as divindades africanas, muitos oferecem sacrifícios de animais. Os jovens recebem rezas e BREBES. Para proteção. As crianças recebem do pajé um dente de cavalo para pendurar no pescoço, e se alimentar bem. As crianças com dificuldades de aprendizagem na escola, são receitadas a comerem o miolo do Japiin (Xexeu). Muitas casas são cercadas, as paredes com cipó d’alho para espantar os maus espíritos. Os jovens em idade de casamentos recebem benzição para arrumarem mulher… Etc.

SOCIOLOGIA E A CULTURA

À luz da sociologia, cultura é definida, como conjunto de estrutura social/religiosa toda manifestação intelectual e artística, que distingue uma sociedade da outra. Assim sendo, cada sociedade quilombola pode ter suas manifestações culturais diferentes umas das outras.

Enfim, as comunidades quilombolas, com o passar dos tempos foram incorporando a religiosidade dos europeus, principalmente dos padres jesuítas que catequizaram os negros, dizendo que eles deveriam aceitar a escravidão sem reclamar, pois era o merecido castigo por terem servido aos demônios no continente Africano, e deram a eles a religião católica como único meio de perdoar seus pecados. Muitos hoje, já não cultuam divindades africanas e sim santos Europeus, que lhes foram dados por Roma.

MEDIANTE OS FATOS EXPOSTOS, GOSTARÍAMOS DE RECOMENDAR ( 5 ) CUIDADOS ESPECIAIS QUANDO ENVIARMOS ALGUÉM PARA EVANGELIZAR AFROS.

1º) – CUIDADO. De preferência, que seja alguém que tenha alguma identidade com eles: Tipo Afro-brasileiro, e que se reconheça com o tal. Ou que já tenha trabalhado entre esse povo, e sabe contar alguma coisa do grupo com quem já trabalhou, isso vai ajudá-lo a se encaixar entre eles. Que o missionário, não tenha dificuldade de visitar a roça, a casa de farinha, caso saiba de alguma comida típica repasse, isso ajuda o negro a se aproximar do missionário, procurando respeitar os mais velhos, isso se faz indo na casa deles conversando com eles.

2º) – CUIDADO. Caso no meio deles haja alguma manifestação cultural, procure não desdenhar, e na medida do possível devemos aprender a teoria sobre aquilo, para que no momento certo possamos educá-los dentro do alvo de nossa missão.

3º) – CUIDADO. Não se envolver nos assuntos políticos locais, pois muitos missionários, estragam a carreira ao tentarem ser representantes da comunidade, presidentes de associação de moradores promotores de eventos esportivos. Assessor parlamentar representante do prefeito, cabo eleitoral, etc.

4º) – CUIDADO. Com a igreja católica que já está lá, e ostenta um padroeiro (santo defensor patrono. Aquele que tem o direito padroado, ou conferir benefícios). Ao invés de atacá-lo, procurar conhecer os fundamentos históricos ou filosóficos, conhecer a biografia do referido padroeiro, mediante estes recursos, fica fácil para falar de Jesus. O missionário em uma comunidade quilombola, deve se colocar a disposição do catequista, para fazer uma visita na Igreja durante o culto dominical deles, e lá.

Existe uma folha de papel, com toda a liturgia do culto, inclusive texto bíblico, então de posse do referido, quando a oportunidade lhe for dada, é só pregar sobre o que está contido no referido folheto, e ninguém ali vai dizer que está errado, e a confiança do missionário vai aumentar muito naquele lugar.

5º) – CUIDADO. Com o Cristocentrismo, e o EUCENTRISMO. Lá as pessoas, não tem um costume com a exaltação total a Cristo, da mesma forma como nós, pois as divindades coletivas e pessoais estão muito presentes na vida deles, assim, eles foram iniciados, ali vamos encontrar compadres, comadres, afilhados. Muitas histórias envolvendo pessoas que já morreram, outras envolvendo visagens, assombrações, mitos, estórias estapafúrdias (esquisita ou extravagante). Exemplo: Numa comunidade quilombola da beira do Rio Amazonas, é peculiar se ouvir dizer que o bôto vira homem e engravida as meninas, bem como vai às festas dançantes e participa da mesma, e que usa um chapéu na cabeça para encobrir o furo que ele tem, no entanto, se alguém esfregar um dente de alho perto dele, então o cidadão disfarçado corre para o rio e se joga na água, e ele o bôto, só chega na festa depois de meia noite, pois antes geralmente tem um intervalo, para benzição do pajé, ou uma reza e o mesmo não suporta tais coisas. Agora vejam, o missionário está ali para entregar boas novas, no entanto, se não tiver paciência, ao invés de atrair com a pregação, o CRISTOCENTRISMO, ao primeiro momento vai causar desordem. O missionário, tem que estar disposto a ouvir, e na medida do possível de acordo com a abertura que o quilombola der apresentar Cristo Jesus. O Único Senhor que pode livrar de todo mal, evitando que o nome dele (missionário) esteja em evidência, pois o EUCENTRISMO (Tipo Eu oro e Jesus liberta. Eu prego e você escuta. Eu sou salvo e você não. Eu conheço Jesus e você não. Eu vou para o céu e você não. Eu sou de Deus e vocês não são. Ao invés de tudo isso, procurar pedir de Deus orientações e Ele dará para o trabalho no meio do povo quilombola tão sofrido.

Mediante os fatos expostos também de forma bastante sucinta, gostaríamos de fazer algumas recomendações sobre evangelização no meio do referido povo de que estamos nos reportando, isso sem nenhum demérito a ninguém. BASEADO EM ( 5 ) ASSUNTOS DE SUMA IMPORTÂNCIA PARA PREGAR ENTRE ELES.

1º) – ASSUNTO Jo. 3.16. O grande amor de Deus, para conosco, isto é, para com a humanidade, ao ponto de doar seu único Filho.

OBJETIVO Jo. 3.16. Para que todas as pessoas que nele crerem, não morram, e sim tenham a vida eterna. Ou seja, ao explicarmos o grande amor de Deus para com a humanidade o quilombola, vai se sentir dentro da esfera do alcance de Deus através de seu imenso amor, uma vez que ele é um ser humano, e a missão de Jesus, que nos foi confiada está ligada de forma inseparável.

Ao supremo amor de Deus para com a humanidade pecadora onde a expressão (TAL MANEIRA) significa a intensidade, ou grandeza do amor de Deus para com a humanidade, ao ponto de dar seu único Filho para morrer por pecadores.

2º) – ASSUNTO Jo. 1.29. Sobre o cordeiro de Deus, que tira o pecado da humanidade sabemos que a nenhum padroeiro dado para a humanidade pelo sistema religioso romano, é atribuído capacidade para perdoar pecados, e sim para intercederem diante de Maria ou e Deus, para que isso seja possível. No entanto, é a Palavra de Deus que nos afirma em Jo. 14.6 que Jesus é o Caminho a Verdade e a Vida, e que ninguém pode chegar a Deus, senão através de Jesus. Isso muitos quilombolas nunca ouviram falar e se já ouviram, lhes falta explicações.

3º) – ASSUNTO Ef. 1.5-7. Através de Jesus, temos o consentimento de Deus, para obtermos (2) bênçãos especiais. (1ª) – A Redenção, ou seja o ato de sermos readquiridos para Deus). (2ª) – Remissão. Isto é, o perdão de pecados mediante as riquezas da graça de Deus. Isto é assunto de alta potencialidade entre o povo que estamos nos referindo, pois trata-se de coisas nunca antes mencionadas entre eles).

4º) – ASSUNTO Cl. 1.13. Este assunto, é mais adequado, para ser tratado no primeiro momento, quando aquele escurinho (Negro) lhe trouxer um assunto de assombração, temor do pajé. Mitos sobre visagens, temor sobre feitiço, lhe contar que foi feito trabalho de bruxaria contra ele ou seus familiares. Geralmente esses assuntos são tratados de forma individual com o missionário. Agora de posse da palavra de Deus, explicaremos que: (A REDENÇÃO. Resgate QUE CRISTO FAZ EM NOSSA VIDA TAMBÉM NOS LIVRA DO PODER DAS TREVAS). Pois Ef. 5.8 nos assegura que agora somos luz no Senhor Jesus, ainda I Jo. 1.5 nos fala que Deus, é luz, e não há nenhuma treva nele. Quando um nativo fica sabendo desse tipo de assunto ainda que de forma individual, algo começa mover suas ideias, e porque não mencionar Jo. 8.12. Aqueles que seguem Jesus, não andam em trevas, pelo contrário terão a luz da vida.

5º) – ASSUNTO Rm. 10.8-11. Sobre de que modo devemos nos comportar diante de Deus, para podermos alcançar a salvação que Cristo disponibiliza para o ser humano. Esse assunto, também eles nunca ouviram com tanta clareza, e eu confesso a cada um de vocês que tiverem acesso a esta obra que foi a partir desse momento, quando ouvi pregar este assunto resolvi dobrar meus joelhos e confessar Jesus com minha boca, coisa que eu já havia feito com meu coração. Podemos também ler Mt. 10.32-33. Mostrando a cada quilombola a necessidade de se confessar diante dos seres humanos o Nome de Cristo Jesus.

CONCLUSÃO

Sabemos que não conseguimos falar de forma total sobre o assunto, aqui exposto, no entanto, esperamos que o breve relato tenha dado para entender um pouco sobre o povo hora em foco, bem como suas necessidades junto ao evangelho da salvação que esta igreja prega com tanto denodo e galhardia, pois boa parte do que segue relatado, é fruto de nossa própria experiência como pessoa Afro-brasileira, que até antes de se converter, preservava muitos hábitos de vida aprendida por parentes pertencentes à mesma linhagem étnica.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

    • KOOGAN / Houaiss – Enciclopédia.
    • TREVISAN, Soares Rosi. Psicologia da educação.
    • STREMEL, Alessandra. Antropologia e educação.

SCHMIDT, Mário – Nova história crítica.

* João Gualberto dos Santos Barreto. Afro-brasileiro, ministro do evangelho. Membro da CONV. DAS ASSEMBLEIAS DE DEUS NO MARANHÃO CEADEMA Rg. 804, Bacharel em Filosofia e Teologia, Pós-Graduado em Psicopedagogia Clínica e Magistério Superior, Doutorado em Teologia. Atualmente pastoreia e supervisiona o trabalho do Senhor entre os índios Guajajaras na terra indígena Pindaré, município de Bom Jardim – MA.